Feira gastronômica Mistura, em Lima Foto: Apega
Há anos eu digo, quando me perguntam porque eu acho a cena gastronômica de Lima tão especial, que lá
todo mundo é entendido. Do mais pobre ao mais rico, os limenhos têm uma opinião sobre
restaurantes, sobre o celeb-chef Gastón Acurio, sobre tudo.
Mas fazia tempo que eu não comprovava essa minha teoria. Até que, morrendo de frio, resolvi abandonar
os brasileiros na feira gastronômica Mistura e voltar para o hotel, uns dias atrás.
Peguei um táxi caindo aos pedaços e logo o motorista disse: “Deu sorte. Aqui quase não passa táxi, ninguém quer descer até a praia pra ter prejuízo”. Então tá….
Aí meu taxista, super eloquente, falou todo o tempo do Mistura até meu hotel sobre o que ele achava que estava certo ou errado na organização do evento.
Parêntese: era meu terceiro ano visitando a feira. Acho tudo incrível mas este ano achei um pouco mais frio, tanto em “vibe” como em temperatura, não acho que tenha sido boa ideia mudar o Mistura para a beira-mar…
Parêntese 2: a primeira barraca que visitei foi a La Caja China, onde Juan Talledo serve o leitão mais pururuca do século, assado lentamente em caixas metálicas, seguindo técnica importada da China.
Os chefs Thomas Troisgros e Alberto Landgraf, do Brasil, experimentando a pele ultra pururuca do leitão da Caja China, de Juan Talledo
Segundo o sábio taxista, tudo mudou desde que o chef Gastón Acurio saiu da organização. “No começo, esperávamos na fila felizes, porque sabíamos que seríamos recebidos com um sorriso e alguém dizendo “seja bem-vindo!”. Não é mais o caso, agora virou uma coisa comercial”.
Ele, como tantos peruanos, sente enorme admiração pelo Gastón. Uma coisa que no Brasil só vejo no mundo do futebol, adoração, mesmo.
Mas de bobo não tem nada. E foi explicando, com base em sólidos argumentos, porque tinha sido péssima ideia mudar o (fantástico) evento de seu prévio endereço para o espaço à beira-mar. E porque achava o fim da picada terem aumentado o preço das entradas e do estacionamento.
Tenho vontade de inserir aqui um ícone linkando para a conversa toda, que gravei quase toda. Mas interessaria a poucos, eu sei…
O mais importante, para mim, é notar o quanto aquele homem se importava com o assunto. Em São Paulo, isso jamais aconteceria. Nunca achei um taxista que soubesse nomes de chefs ou da existência de um evento como, por exemplo, o Semana MesaSP.
Minha amiga Constance Escobar, que também esteve este ano no Mistura, perguntou em seu Instagram: “Será que ainda teremos no Brasil uma feira com essa abrangência e que promova tamanha inclusão do povo?”
Ora, para mim a resposta está no taxista. Em Lima, é um movimento que vem da base, todos se interessam por comida e interessam-se pelo Mistura, como se fosse, para nós, um importante jogo de futebol da seleção. Já em São Paulo, vejo os taxistas com mini-tevês ligadas na novela ou naqueles programas de notícias escandalosas. Falar de comida, de algum chef? Nem pensar!!
Centenas de milhares de peruanos vão ao Mistura, dando-se ao trabalho de investir o pouco que têm para festejarem juntos a fartura e a beleza daquilo tudo. Claro que ajuda o fato de que os organizadores fazem tudo mais do que direito: há gente limpando sem parar, bandinhas folclóricas desfilando, quiosques divididos por especialidade, tudo super bem feitinho.
As palestras dos chefs estrangeiros em um belo auditório, sinceramente, são o de menos. O que importa, no Mistura, é a comunhão. As famílias curtindo as comidas, em mesas de piquenique. E o orgulho que sentem os expositores. Por muito que ame meu Brasil, acho que temos muito chão pela frente até conseguirmos ter algo parecido.
Falta interesse, simplesmente.
Cada povo com seus gostos….
Peruanos almoçando no Mistura Foto: Apega
No Mistura: leitão assado na brasa, La Caja China