Rogerio Fasano e o polpetone da nova Trattoria
Começo com uma confissão: nunca fui ao Jardim de Napoli provar o famoso polpettone. Deveria ter ido, claro, considerando minha profissão. Prato nenhum chega a tamanho grau de fama e sucesso à toa.
E ando pensando em polpettones porque acho que foi um gesto corajoso da parte do restaurateur (e hotelier) Rogerio Fasano torná-lo o carro-chefe de sua recém-inaugurada Trattoria (Rua Iguatemi, S/N – (atrás do Edifício Pátio Malzoni, entre a Rua Joaquim Floriano e Av. Horário Lafer, no Itaim, tel. 3167 3322).
Ele me contou em julho que estava orgulhoso daquele prato, antes visto como algo nada sofisticado e de pouco interesse para “comedores sérios”. Provamos juntos uma versão “test-drive”, em pleno lobby do hotel Fasano.
Pois o polpettone – assado, ao invés de frito – estava absolutamente delicioso, o molho de tomate intensamente reduzido, pedaçudo e com um toque de dulçor, a carne surpreendemente delicada. Uma coisa assim falsamente rústica, cuidadosamente estudada.
Via-se que Rogerio estava orgulhoso do feito.
“Nesse novo restaurante vou fazer uma revolução ao contrário. O bacana vai ser o velho!”, disse.
Essa Trattoria – que pelas fotos mil postadas no Instagram parece ser linda – ajuda a firmar a imagem de São Paulo como cidade “italianada”. E é orgulhosamente tradicional, faz o clássico e ponto final.
Quando os publishers de uma das revistas de gastronomias mais cools do mundo, a FOOL, me disseram que o tema da próxima edição seria a Itália, eu imediatamente disse a eles: “mas a cidade mais italiana que conheço fora da Itália é São Paulo!”
Pers-Anders e Lotta Jörgensen me olharam com ar de espanto.
“Verdade?”
Assim, a pedido deles, pus-me a pesquisar os detalhes históricos e todos os porquês da “italianice” paulistana. Eis aí um trabalho delicioso: passar uma tarde “googlando”, lendo deliciosos relatos de imigrantes, vendo fotos da festa de Nossa Senhora Achiropita, revisitando, virtualmente, lugares de que há tempos não ouvia falar.
Há quantos anos não vou ao Brás, o bairro que deu nome à Bráz, minha pizzaria favorita, nele inspirada? Nem quero lembrar…
Escrever esse texto para a FOOL foi uma volta ao passado, revirei o baú de memórias infantis, de almoços de família no Ca’d’Oro e tanto mais. Aliás, falando nisso: já viram o Ca’d’Oro que em breve renascerá das cinzas?!
Aí tive a ideia de entrevistar o menos italiano dos homens: Juscelino Pereira, hoje co-proprietário de uma série de restaurantes, como Piselli, Zena Caffé e Maremonti. Acho fascinante o trajeto profissional dele, alguém que veio do interior paulista com tão pouco, formou-se na “escola FASANO”, fez seu nome e acabou tornando-se mais apaixonado pelo Piemonte do que a maioria dos piemonteses.
Juscelino Pereira Foto: Divulgação
Perguntei: “você imaginava, no início da carreira, que um dia teria ligação tão forte com a Itália?”
E ele: “de jeito nenhum!!” e começou a contar de sua primeira ida ao país, em que pulou de região em região, terminando no Piemonte, quase 20 anos atrás.
“O Angelo Gaja me recebeu. Ficou comigo o dia inteiro, mostrando tudo o que ele fazia. Aí me levou para almoçar, comemos um carpaccio com trufa acompanhado de um dos grandes vinhos brancos dele. Aí bebemos praticamente todos os outros vinhos dele com os pratos que se seguiram, foi emocionante, um privilégio muito grande”.
(aqui, link para o vídeo de minha entrevista com Angelo Gaja, esse que considero um dos maiores produtores de vinho do mundo, no Dalva e Dito).
Aí começou a ligação de Juscelino com o Piemonte, região que ele homenageia em seu restaurante Piselli. (restaurante que anda bem bom, por sinal….)
E nessa longa conversa ele disse uma verdade: anos atrás, tínhamos cantinas e restaurantes italianos caros. Dois extremos. Hoje, São Paulo tem vários restaurantes que buscam representar regiões específicas, e, generalizando, come-se comida italiana de qualidade muito melhor do que dez anos atrás. “Não dá mais para só mais um italiano sem foco, com aqueles pratos todos que os clientes gostam, como o spaghetti à carbonara, tem que se inspirar em uma região da Itália, com uma certa tipicidade”.
Para Juscelino, “é isso que está movendo a gastronomia italiana hoje em São Paulo”, esses novos restaurantes focados em regiões específicas. Ele acha, inclusive, São Paulo mais italiana até do que Nova York.
Muito de nossa “Itália” tem uma pegada nitidamente brasileira, e estamos a anos luz de Nova York (outra cidade italianada) em termos de ingredientes à venda em mercados (além de pagarmos o triplo). E como faz questão de me lembrar um amigo que gosta de comer bem, não dá para comparar o que se come na Itália com o que temos em São Paulo.
Verdade.
Diz ele: “eu teria vergonha de levar o Angelo Gaja para jantar em um de nossos restaurantes italianos”.
O.k., vejo o ponto.
Mas, ainda assim, somos italianíssimos.
E ainda bem, não?
Aqui, texto do Josimar Melo sobre a Trattoria.