Pássaro no prato, do bico às patas
22/10/14 02:00Quatro chefs franceses de renome, entre eles o pluriestre- lado Alain Ducasse, protestaram publicamente em setembro contra a proibição, nos restaurantes do país, dos ortolans: passarinhos que cabem na palma de uma mão que são devorados inteiros, com cabeça, tripas e tudo. Iguaria que vale cerca de € 150 (R$ 460) no mercado negro, banida há mais de década. Se for legalizada na França dará impulso ao atual revival, nos melhores restaurantes, das aves servidas à antiga.
O melhor frango que comi na vida, no restaurante do hotel Nomad, em Nova York, vem à mesa dourado e inteiro, em panela de ferro, largo maço de ervas saindo do seu traseiro e patas para cima. O chef-proprietário, Daniel Humm, tem outro restaurante ali perto, o Eleven Madison Park, número quatro no ranking mundial da revista “Restaurant”, onde fez fama com sua cozinha ultramoderna. No entanto, seu prato de maior sucesso é esse frango retrô.
No Mugaritz, no País Basco, o contraste entre o antigo e a vanguarda pareceu-me ainda maior. Naquele que considero o restaurante mais vanguardista e ousado da Espanha, serviram-me o peito e a cabeça (para ser chupada) de uma becada (como um pica-pau de bico longo e fino) sem qualquer adorno, parecido, aposto, com o que já comiam, com gosto, os tataravós do chef, Andoni Aduriz.
Raramente cabeças chegam à mesa, mas pernas inteiras –com patas e garras– têm aparecido em restaurantes gastronômicos cada vez mais. Há, por exemplo, a codorna maturada do In de Wulf, na Bélgica, a grouse negra (parente do faisão) do Fäviken, na Suécia, e a galinha d’angola do Joe Beef, no Canadá, entre tantos outros.
No Brasil, onde até focinho de leitão choca muita gente e onde não se tem o costume de comer aves além de galinhas e patos, essa moda nunca vai pegar. É um ciclo vicioso: quanto mais comuns os pedaços de frango embalados em isopor e os pratos de ave em que não se reconhece a ave, mais parecem aberrações, para a maioria, delícias como becada e ortolan.