A ascensão da “camera cuisine”
16/07/14 02:00Certos restaurantes quase pedem para serem fotografados. No japonês que frequento, o chef até dá uma paradinha com o sushi na mão quando saco o telefone. Agradece as fotos —pelo Twitter. Garçons, acostumados a ver múltiplos iPhones a postos, cuidam para não atrapalhar o clique. Sei de chefs cujas mesas são propositalmente alvas e nuas como um fundo infinito no estúdio fotográfico do J.R. Duran.
Chegou a era do que Pete Wells, crítico de restaurantes do “New York Times”, chama de “camera cuisine”. Na cozinha fotográfica, chefs bolam a montagem de um prato pensando em como sairá na foto. Ou inspiram-se em fotos vistas online para criar um prato.
Eu, a essa altura, já me irrito a cada vez que me servem —de novo!— legumezinhos avinagrados em prato rústico de pedra ou cerâmica, com algum elemento de carne curtida ou lácteo acompanhando. Esse estilo “novo nórdico” alçado à fama pelo chef dinamarquês René Redzepi, do Noma, está por toda parte, copiado em Londres, Nova York e São Paulo.
No muito que já se escreveu sobre a mania de postar comida no Instagram, quase sempre a “culpa” é dos clientes obcecados, mais preocupados em clicar do que em comer. Mas chefs dão pilha. Há pouco, no Rio, serviram-me um hambúrguer gigantesco, ogro demais, repleto de molho. Homenagem do chef a um comilão que posta no Instagram laricas exageradamente enormes e calóricas.
Não reclamo da pornografia gastronômica que inunda o Instagram: sou a primeira a postar meus jantares. Só que há que se achar o balanço. Quando um prato envolve tantos elementos embelezadores que leva tempo demais sendo montado e chega frio à mesa, perde o sentido. Quando uma carne é servida em tamanho GG e com o osso, à la Flinstones, dá vontade de falar: “Menos, vai?” Do mesmo modo que moças que se enfeitavam de verde e amarelo na Copa para postar selfies queriam atenção, chefs que consomem-se lambendo suas crias ou chupando ideias nas mídias sociais acabam, no afã, focando mais na plateia do que no jogo.