A polêmica da leitoa assada
18/06/14 02:00Quando decidi servir três leitoas em um jantar para chefs na semana passada não sonhava que pudesse causar polêmica. Postei uma selfie no Instagram: eu e uma leitoa —morta, evidentemente— que assei dias antes, para testar a receita. Os comentários deixados me chocaram. “Morra, sua vaca”, disse alguém. O joalheiro Jack Vartanian foi mais educado: “Que post de mau gosto. Parei de seguir”.
Era só o começo. A pâtissière Isabella Suplicy postou foto em que apareço segurando uma das leitoas, já assada e dourada, deitada sobre travessa de cobre. Uma seguidora declarou que “um dia vamos entender a barbárie deste gesto”. Outra pegou pesado: “Muito triste, afinal, nos lembra o Holocausto…”. Barbárie? Holocausto?!
Fiquei atônita. Tinha a impressão, até então, de que os brasileiros com dinheiro e boa educação andavam mais interessados na origem de sua comida e mais abertos ao desconhecido. Caiu a tirania do
filé-mignon nos bons restaurantes, porque cortes menos “nobres” —e até miúdos ou orelha de porco— já não assustam tanto.
Depois de décadas fadados ao consumo de queijos nacionais industriais insossos, hoje achamos muito mais variedades artesanais, como os mineiros da serra da Canastra. O conceito de cozinha da estação, que prioriza ingredientes frescos e locais, entrou em voga.
A violenta rejeição às fotos das leitoas mostra que ainda há muita gente desconectada da fonte de seu alimento. Boa parte da culpa está nas carnes já porcionadas e embaladas em bandejinhas de isopor, que o chef inglês Fergus Henderson chama de “pink in plastic”: cor-de-rosa no plástico.
O porco já processado não incomoda. Já servi-lo inteiro é “triste” e “de mau gosto”.
Será que acham cruel matar um peixe e assá-lo em crosta de sal? Gostariam de banir as tevês de cachorro com seus franguinhos dourados? Errado não é servir leitoa assada. Errado é criticar esquecendo-se de que por trás de presuntos “pata negra”, torresmos e lombinhos acebolados também há um bicho morto.