Quando o tiramisù encontrou a berinjela
12/03/14 02:00Uns meses atrás, quando estávamos em Copenhague, minha amiga Marie-Claude perguntou a um italiano: “O que achou da sobremesa no Relae?”. Impávido, sentenciou: “Tinha gosto de peixe!”.
O restaurante, do chef Christian Puglisi, egresso do Noma, está entre os melhores da Dinamarca. E, de fato, o sorvete de leite infusionado com algas, com cobertura de alga cristalizada e caramelo, evocava o mar.
Estranhei o sabor. Mas desde então me conformei ao constatar que há cada vez mais sobremesas em restaurantes de ponta com um quê vegetal. Na mesma viagem, alegrei-me quando me serviram, no Noma, um danish (doce típico dinamarquês) com miolo que parecia ser chocolate cremoso. Ao mastigá-lo, veio a decepção: o creme marrom era lúpulo de centeio com algas!
Doces-que-não-parecem-doces não se limitam a Copenhague.
Há pouco o site americano Grubstreet publicou a lista “14 Sobremesas de Verduras Surpreendentemente Ótimas”. Nela elogios são tecidos ao tiramisù de berinjela com biscoitos de alecrim do restaurante Dirt Candy e ao flan de cenoura com molho de laranja sanguínea e cominho do Luksus, ambos em Nova York.
O famoso chef catalão Ferran Adrià, do extinto El Bulli, lembra em suas palestras que temos preconceitos culturais. Arroz no vapor, peixe grelhado e picles, para um japonês, é café da manhã. Um norte-americano, acostumado a só ver a fruta em saladas e guacamole, estranharia muito se lhe servissem um creme de abacate à nossa moda.
As sobremesas vegetais que vêm surgindo em menus de chefs mais audazes fazem repensar a barreira entre o mundo doce e o salgado.
Alguns chefs vão ainda mais longe: no Noma também comi “fudge” de moela, servido dentro de um osso devidamente limpo e polido, e torresmo com cobertura de chocolate. Gostosos? Não. Mas me diverti com o jogo visual, a surpresa e a reflexão que aquilo engatilhou. E confesso: levantei-me da mesa sonhando com uma gorda colherada de Nutella…