Carne velha é que faz comida boa
12/02/14 03:00Dias atrás, quando o chef Julien Mercier, do Le Bilboquet, postou no Instagram (acima) uma carne crua que ele maturou a seco por 30 dias, pensei: a febre das carnes maturadas chegou a São Paulo.
A maioria da carne maturada vendida no Brasil (inclusive aquela dos supermercados, embalada a vácuo) é “wet-aged”: passa uns dias, já no plástico, em uma câmara fria. O quente hoje é algo bem mais interessante: “dry-ageing” (envelhecimento a seco), em que o corte fica exposto ao ar, perde volume e ganha sabor.
Magnus Nilsson, do restaurante Fäviken, na Suécia, só compra vacas inteiras. Em açougue próprio, matura os diferentes cortes; filé-mignon por 30 dias, contrafilé por até —pasmem!— nove meses.
Enzimas amaciam os tecidos, e bactérias fazem brotar notas gustativas intensas, lembrando nozes ou queijo azul. Em Londres, seu conterrâneo Mikael Jonsson, do Hedone, também cuidadosamente corta e envelhece carnes. Lá comi um bife com quatro meses de idade: que potência!
Para muitos chefs, quanto mais tempo, melhor. Renzo Garibaldi, no Osso, em Lima, serve um bife ancho de 110 dias. Em carnes com longa maturação “podemos sentir notas que não sentíamos antes, como a salinidade da gordura, se o animal cresceu próximo ao mar, ou os minerais do pasto, degusta-se o terroir”, diz.
Chefs andam envelhecendo muito mais do que vacas. Bons sushimen sempre souberam que atum melhora com uns dias de descanso, mas hoje até Alex Atala anda brincando de maturar peixe. Um dos “maturadores” mais extremos é Joshua Skenes, do restaurante Saison, em San Francisco. Já chegou a servir pombo de 70 dias! Isaac McHale, do The Clove Club, pendura faisões por dez dias em câmara fria, depois tira as tripas e matura-os mais duas semanas recheados de feno. Ele também matura peixe, vaca, cordeiro e até galinha.
“Superfresco” nem sempre é elogio. Saber usar o passar do tempo a seu favor e domar a ação das bactérias para extrair novos sabores e texturas é a nova carta na manga dos grandes chefs.