Onde há fumaça, há gosto
29/01/14 03:02Há pouco, no Azurmendi, perto de Bilbao, na Espanha, provei um inspirador menu-degustação que começou com o chef Eneko Atxa me mandando colher tomatinhos na horta e seguiu com caldinho
de feijão defumado. Tão bom que pedi outro, um de repetidos lances em que o defumado dominou.
Atxa é um de muitos chefs da nova geração que abraçam entusiasmadamente as comidas defumadas —o que envolve alto grau de risco. Fina linha separa o levemente defumado do “não sinto o sabor do que eu pedi”. No NoMad, em Nova York, em memorável jantar, amiga minha queixou-se: “Meu foie gras veio mascarado, tem gosto de fumaça”.
O defumador virou o sonho de consumo de muitos chefs. Júlio Raw, do Z Deli Sanduíches, de São Paulo, está ansioso para estrear o seu, na filial que abrirá. Os cultuados Dave McMillan e Fred Morin,
do Joe Beef em Montréal (Canadá), orgulham-se ao exibir, no quintal, seu gigante aparato de defumar carnes. Há também métodos mais modernos e práticos de capturar o aroma de fumaça, por destilação ou usando o aparelho Super Aladin, que custa cerca de US$ 300 (cerca de R$ 700) e tem design inspirado em pipa de fumar maconha.
Alguns levam a fumaça à mesa. No Mugaritz, perto de San Sebastian, também na Espanha, desfila pelo salão uma panelona de ferro cheia de brasas. Dormitam sobre elas pacotes contendo delicioso bolo de milho, o aroma, inebriante.
Vale casar fumaça com tudo, quase. Na Austrália há chefs que defumam batata, manteiga, noz-macadâmia, ricota e até salsinha.
O combustível deve ser cuidadosamente escolhido, pois define o aroma (muitos usam palha úmida). Atxa, no Azurmendi, queima galhos de parreiras de seu sítio. Cory Campbell perfuma suflê de cumaru com fumaça fria de casca de coco em Melbourne, na Austrália.
Em Lima, no Peru, o chef Virgilio Martinez incinera frutinhas nativas com maçarico. A moda desdobra o fumo em um universo de cheiros e gostos mais vasto do que se pode imaginar. O difícil é saber dosar e deixar falar mais alto o ingrediente principal.