Chef Francis Mallmann, da Argentina, sai do júri do 50 Best
03/09/13 14:24
O assunto da semana, pelo menos nos meios gastronômicos, é o novo prêmio “50 Melhores Restaurantes da América Latina”, filhote do mais-que-influente “The World’s 50 Best Restaurants”. A cerimônia de entrega dos prêmios acontecerá amanhã em Lima e a cidade está repleta de chefs estrelados.
Já escrevi aqui que o prêmio vem causando grande excitação entre os chefs brasileiros. Nove deles têm seus restaurantes entre os 50 melhores, mas ainda não se sabe em quais posições.
Amanhã o Folha Comida abordará o tema.
Por excitante que seja tudo isso, é importante mostrar o outro lado da moeda. Nem todos acham a lista justa. Nem todos acham a lista benéfica para os restaurantes que nela estão. Mas, quiçá por medo de represálias, poucos dizem o que pensam.
Jornalistas, por exemplo, temem serem excluídos do júri que elege os 50, ou da cerimônia de premiação e eventos paralelos.
Francis Mallmann, o mais reputado chef da Argentina, dono entre outros negócios do restaurante 1884 em Mendoza e outro, belíssimo, em Buenos Aires chamado Patagonia Sur, não é um homem de medir palavras. Generoso, gentil e otimista, só não sorri quando algo lhe incomoda.
E a lista dos 50 melhores o incomoda.
Ontem ele enviou uma carta à organização que merece ser lida com atenção, até para levantar uma discussão sobre o efeito que tem, em um chef, essa luta para escalar o ranking.
Divido aqui a carta, traduzida do inglês:
“Muito obrigada por me escolherem como um de seus jurados mas decidi não votar mais em seus prêmios. Sentia (que queria isso) nos últimos dois anos, e agora não posso mais continuar.
Vejam: eu cozinho há 40 anos. Como sabem, cozinha é um romance com ingredientes, espaço, serviço, timing e silêncio. Observo sentimentos contrários em tantos de meus colegas que estão tão preocupados com os prêmios que passam o ano fazendo lobby perante o eleitorado, pulando de conferência em conferência e, na minha opinião, desperdiçando tempo valioso e distanciando-se dos reais valores que fazem um restaurante.
Prêmios criaram um ambiente fictício e ultra competitivo para nossa cultura gastronômica. Inovação parece ser o principal valor. Embora não haja nada de errado com (a inovação), afastou-nos da valorização de um ofício em favor do que chamam de arte. Jovens chefs tentam atravessar pontes muito antes do que deveriam só para serem diferentes, famosos ou novos. Arte é um pensamento intelectual, e comida e vinho têm mais a ver com os sentidos e a partilha. Comida e vinho fazem-nos mais aguçados, espirituosos. Só aí podem estimular nossos pensamentos e melhorar nossa comunhão com colegas, amigos, amantes. Certamente a cozinha pode ser intelectual, mas deveria sê-lo de modo mais silencioso e –atrevo-me a dizer – humilde.
Certamente me senti muito honrado quando (meu restaurante 1884) foi o sétimo colocado na sua lista (The World’s 50 Best Restaurants), em seu primeiro ano de existência. Mas é que minha vida na cozinha não tem mais elos com esse ranking.
Então desejo-lhes tudo de bom e agradeço-lhes por haverem me deixado servir nesses últimos anos em seu júri.
Partilhemos pão juntos.
Francis Mallmann”
E mais sobre o prêmio 50 Melhores Restaurantes da América Latina neste link.