Mexer no “mole” não é moleza
29/05/13 02:07Muitos dos melhores restaurantes do mundo homenageiam receitas tradicionais de seus países em releituras modernas. Qualquer um fazendo cozinha de autor em Lima serve ceviche, o prato nacional.
Chefs americanos adoram reinventar o hambúrguer e o “mac’n’cheese” (massa com queijo). Helena Rizzo virou a feijoada de ponta-cabeça no Maní —e perdi a conta de quantas sobremesas inspiradas no romeu e julieta já comi em São Paulo.
Não surpreende que reputados chefs do México (de onde acabo de chegar) tenham, em seus menus-degustação, “mole” (famoso molho de Oaxaca, feito com especiarias), tacos, tostada (disco crocante com coberturas) e outros clássicos.
Ao experimentar, em rápida sucessão, alguns dos restaurantes mais renomados da capital mexicana, vi, além de pratos, muitos ingredientes em comum: chiles, atum, porco, tutano, tortilhas, limão etc. Assim como Vik Muniz e Jeff Koons fariam obras totalmente diversas se alguém lhes desse as mesmas sete tintas, cada chef serve um México muito seu.
Foi inevitável comparar. Enrique Olvera, do Pujol —de longe o melhor endereço que visitei—, serve um “mole” primoroso, envelhecido 75 dias e apresentado sobre tortilha, simplesmente. Complexo, provocador.
O “mole” de Jorge Vallejo, no Quintonil, tinha menos intensidade e mais amargor, mas combinou bem com o “chilacayote” (abóbora).
Já o “mole de fiesta” de Daniel Ovadia, do Paxia, era desastroso: confuso, picante demais e perdido entre demasiados elementos, inclusive até um inseto vivo!
Embora seja louvável homenagear tradições culinárias, aí também mora o perigo. Para cada chef que interpreta com brilho um taco de rua, deve haver cinco que, em vez de melhorarem o original, pioram-no.
No extinto El Bulli, o chef Ferrán Adrià soube inventar um estranho bocado que tinha mais gosto de gaspacho do que o próprio gaspacho, assim como seu irmão Albert Adrià serve em Barcelona pseudoniguiris tão maravilhosos quanto os sushis dos maiores mestres japoneses. Mas nem todo cozinheiro é um Adrià…