Quando uma cenoura vale por um bifinho
20/02/13 03:00
Em janeiro, dois pratos do chef Daniel Humm me deixaram de queixo caído. Em seu NoMad, em Nova York, comi cenouras assadas a baixa temperatura com pele de pato crocante. Carnudas como um filé-mignon, quase. No avizinhado Eleven Madison Park, eu me diverti com o tartare em que prendem um moedor de carne na mesa e moem uma cenoura à frente do cliente.
Humm rejeita a velha hierarquia que dita que proteínas dominam os pratos e o resto apenas serve para guarnecer. Inverte a equação, tornando legumes e verduras protagonistas e carnes coadjuvantes. Com seu tartare, quer provocar.
Nos anos 90, grandes chefs franceses como Michel Bras e Marc Veyrat já mostravam que legumes e verduras podem estrelar menus sofisticados. Alain Ducasse ficou famoso por colocar, em um mesmo prato, um legume em preparações diversas. Alain Passard abdicou das carnes, transformando seu L’Arpège no primeiro três-estrelas “Michelin” (quase) vegetariano da história.
Bom ver a nova geração seguindo o exemplo, colocando vegetais e animais no mesmo patamar. A cenoura, em especial, anda com o prestígio em alta. Dani Garcia, reputado chef espanhol, serve em seu Calima uma sinfonia “cenourística”, em que ela aparece desidratada, liquidificada, ralada e em pedaços. No Vale do Napa, o chef Christopher Kostow, do The Restaurant at Meadowood, usa os ramos para fazer uma crosta gelatinosa e verde sobre um peixe, que complementa com três tipos de cenoura.
Premiados cozinheiros de Copenhague servem-na transformada, ora envelhecida longamente ora engrouvinhada, com textura de uva passa. O mago Victor Arguinzoniz, que tem o remoto restaurante de grelhados Etxebarri, no País Basco, extrai o suco da raiz e serve em um shot.
Prestam-se a tudo, as cenouras! Mas ainda estou para vê-las mais gostosas do que quando assadas a fogo baixo. Soltam seus açúcares devagarinho e vão virando purê por dentro, brilhosas com o laqueado da manteiga. Bem-feitas, são de tirar o mais resoluto carnívoro dos trilhos.