O corpo e o sangue do bicho
28/11/12 03:00Em São Paulo, aventureiro à mesa é quem pede mollejas na churrascaria e fígado de peixe-sapo em restaurantes como o Epice (quando há), mais conhecido como “foie gras do mar”. Na América do Norte e na Europa, gourmets enfrentam alegremente coisas mais “estranhas”.
Faz anos que surgiu a moda da gastronomia “nose-to-tail”, ou da fuça ao rabo, em que chefs usam o bicho inteiro ao invés de se aterem às partes nobres. Precursor, o inglês Fergus Henderson serve miúdos e carnes atípicas (esquilo, por exemplo) em seu restaurante St. John, em Londres.
Cultuado por chefs, Henderson fez fama e ganhou prêmios com pratos como medula com torradas, terrine de pescoço de pato, torta de sangue e tripas au gratin.
Dos muitos que seguem sua filosofia, o mais famoso, Martin Picard, vive em Montreal. Seu Au Pied de Cochon serve comida carnívora ao extremo —de orelhas de porco fritas a linguiça de veado. Em seu último livro, ele dá receita de sushi de esquilo, com uma foto de arrepiar.
Os adeptos do culto ao “nose-to-tail” vêm radicalizando. Vejo surgirem pratos que devem assustar até os mais ousados glutões. O Mugaritz, na Espanha, assa macarrons de sangue de porco.
O bistronomique Septime, em Paris, chocou muitos ao incluir coração de cavalo no menu. No novo Maison Publique, em Montreal, dos chefs Derek Damman e Jamie Oliver, servem língua de bisão e salada de orelha de porco.
Por que tantas estranhezas? Em certos casos, para causar sensação. Restaurantes altamente cotados, de chefs famosos, estão sempre atrás de jeitos de se diferenciarem do resto.
No premiado Faviken, na Suécia, servem carne de vacas leiteiras velhas, longamente maturada. Mas o que move esse novo “carnivorismo” radical é também a crescente preocupação dos chefs com a preservação do ambiente.
Usando bichos e órgãos considerados descarte ou pouco valorizados, reduzem a quantidade monumental de comida que se desperdiça dia a dia. E ensinam uma lição àqueles para quem carne é aquilo rosa ou vermelho que vem em bandejinha de isopor.
Adendo: eis um trecho do novo livro do Faviken em que o chef-proprietário, Magnus Nilsson, fala de vida e morte, de como mata os bichos que serve a seus clientes:
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Lindo vídeo sobre o restaurante Faviken, na Suécia
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